DÍVIDAS
Cartão de crédito e desemprego: por que o endividamento das famílias bateu recorde
Desemprego e gastos essenciais levam famílias ao vermelho, com cartão de crédito sendo o maior vilão; inadimplência em atraso há mais de um ano

Por Fábio Bittencourt

O endividamento das famílias brasileiras atingiu o maior patamar em 15 anos. Dados de outubro da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), apontam que 79,5% dos lares do país têm algum tipo de dívida, o maior índice desde o início da série histórica, em 2010.
Entre os principais motivos que levam os consumidores ao vermelho, o desemprego aparece em primeiro lugar, citado por 19% dos entrevistados em levantamento da Serasa, em parceria com o Instituto Opinion Box. Em seguida, surgem os gastos emergenciais (18%) e o empréstimo de nome para terceiros (14%).
O estudo revela ainda que um em cada dez consumidores afirma não conseguir arcar com o pagamento de contas básicas, que chegam a R$ 750 mensais para 82% do grupo. Diante do aumento do custo de vida, 88% dos endividados reduziram o consumo, especialmente em alimentação e serviços essenciais. O cartão de crédito continua sendo o maior vilão: metade das dívidas está ligada a compras em supermercados.
Quase metade dos compromissos dos brasileiros — 46% — já está em atraso há mais de um ano. Securitizadoras, companhias de telefonia e o varejo aparecem entre os setores com pendências mais antigas, em alguns casos acumulando mais de dois anos de inadimplência.
Especialistas e dicas para a reorganização financeira
Para Aline Vieira, especialista em educação financeira da Serasa, a instabilidade no emprego continua sendo um dos maiores desafios à manutenção financeira das famílias.
“É preciso que cada um se reorganize de acordo com a própria realidade. Os custos altos impactam fortemente o orçamento, e despesas como supermercado e contas básicas comprometem as finanças”, afirma.
Segundo ela, mudanças nos hábitos de consumo e a busca por renda extra são alternativas viáveis para quem atravessa períodos de insegurança financeira.

“É possível, sim, procurar fazer um dinheiro extra — produzindo marmitas, doces ou cortando temporariamente serviços não essenciais. Pequenas decisões fazem diferença”, diz Aline.
A especialista lembra que a Serasa oferece conteúdos gratuitos de educação financeira e promove, durante o mês de novembro, o Feirão Serasa Limpa Nome, com mutirões de negociação de dívidas nas agências dos Correios em todo o País. O serviço é gratuito e oferece descontos expressivos e condições especiais de pagamento.
Cenário macroeconômico e a taxa selic
Para os especialistas, enfrentar o endividamento crônico exige educação financeira de base, políticas públicas de inclusão e regulação mais eficiente do mercado de crédito.
Segundo Edson Cerqueira, vice-embaixador na Bahia da Planejar (Associação Brasileira do Planejamento Financeiro), a relação entre desemprego e endividamento é complexa.
“Quando o desemprego sobe, a renda familiar cai e a capacidade de pagamento diminui, o que eleva a inadimplência. Por outro lado, quando há expansão do emprego, o aumento da confiança do consumidor estimula o consumo — muitas vezes financiado —, o que pode gerar o chamado endividamento por otimismo econômico”, explica.
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O planejador ressalta que o problema é agravado pela baixa taxa de poupança das famílias e pela concentração do crédito em modalidades com juros elevados, como o rotativo do cartão e o cheque especial. Além do desemprego, outro fator que pressiona o orçamento é o nível elevado da taxa básica de juros (Selic), atualmente em torno de 15% ao ano.
“Embora a política de juros altos tenha como objetivo controlar a inflação, ela encarece o crédito e dificulta a renegociação de dívidas, penalizando principalmente as famílias de menor renda”, observa Cerqueira.
Ele lembra que, mesmo com avanços como a Lei nº 14.690/2023, que limitou o valor da dívida do cartão de crédito a até o dobro do débito original, o ambiente de crédito segue caro e restritivo, perpetuando o ciclo de endividamento.
Organização financeira e estabilidade emocional
A consultora financeira do Will Bank, Mila Gaudencio, destaca que o desemprego não afeta apenas o bolso, mas também a autoestima e o senso de estabilidade. “Sem estabilidade emocional, é difícil manter estabilidade financeira”, afirma.
Segundo a economista, é essencial agir em duas frentes: reduzir despesas e buscar novas fontes de renda, sem ignorar o impacto emocional envolvido. “Comece organizando o cenário atual, priorizando o essencial — moradia, alimentação, transporte e saúde. Isso ajuda a recuperar o senso de controle e sair do modo de urgência.”
Ela defende que o crédito deve ser usado com consciência e estratégia. “O foco não é eliminar o crédito, mas usá-lo de forma planejada, para reorganizar as finanças, não para sobrecarregar”, diz.
Para a consultora do Will Bank, educação financeira não deve começar apenas na crise. “Ela pode nascer no cotidiano, nas pequenas escolhas. O primeiro passo é entender o que entra e o que sai — todas as contas, dívidas e despesas essenciais. Essa visão devolve nitidez e permite enxergar onde há margem para ajustes. Poupar vem depois, como consequência da organização”.
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