POLÍCIA
Outro inimigo: PMs baianos enfrentam 'guerra' contra a própria mente
Em 2024, morreram mais policiais da ativa em decorrência de suicídio do que durante confrontos com criminosos

Por Silvânia Nascimento

Eles usam uniformes pesados e quentes; coletes à prova de bala; na maioria das vezes estão sérios, posturados e, quase sempre, senão sempre, diante de riscos. Entram em becos e vielas, precisam estar em bom condicionamento físico e prontos para as missões inesperadas e desafiadoras que surgem a todo instante. Ao escolherem essa profissão, os policiais militares têm consciência que suas maiores e principais missões serão servir, proteger e cuidar da sociedade, mesmo que isso custe a sua própria vida.
Só que, por vezes, esquecemos que quem cuida, também precisa de cuidado. É essa reflexão que o MASSA! traz nesta matéria: a atenção e o zelo que os policiais militares, em especial, os da Bahia, precisam e merecem ter, sobretudo, quando se trata de saúde mental.
Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revelaram que, em 2024, morreram mais policiais da ativa em decorrência de suicídio do que durante confrontos com criminosos. Segundo o levantamento, nos 12 meses do ano passado, o estado baiano computou cinco suicídios entre policiais militares, contra dois agentes mortos em ação: um policial militar e um civil.
Inúmeras são as causas que podem ter levado esses profissionais a tirarem a própria vida. Dentre elas, os mais diversos contextos e situações que ocorrem no exercício da profissão: o que presenciam e encontram nas ocorrências, a cobrança partindo de diferentes lados, a devida falta de reconhecimento por parte da sociedade, o enfrentamento diário à criminalidade e tantos outros fatores.
Diante desse e outros cenários que fazem parte da realidade dos agentes, a Polícia Militar da Bahia, por meio do Departamento de Promoção Social (DPS) promove e oferece uma série de ações, incluindo atendimento psicológico, para o público da corporação.
Quem explica mais sobre as iniciativas é o diretor do DPS, coronel César Albuquerque. “Nosso público é sempre o policial militar, estendendo para familiares de primeiro grau, como pai, mãe, filho, esposa, marido. Em julho, criamos o programa de acompanhamento e apoio ao policial militar que se envolve em ocorrências que geram resultado morte. Então, qualquer ação que ocorra em qualquer lugar da Bahia e que gere uma Morte por Intervenção Legal de Agente do Estado (MILAE), o policial é apresentado aqui no DPS, quer queira ou quer não. Mesmo que ele diga que está bem, ainda assim, ele passa pelo atendimento psicológico”, disse o oficial.
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Ainda segundo o coronel, após a apresentação do agente, o departamento inicia alguns trâmites internos. “Ele é encaminhado para participar de três palestras na área de psicologia, de direitos humanos e uma na parte técnica, que envolve tiro policial e outras nuances das técnicas propriamente ditas nessas ocorrências. Então, depois que tem essa sessão de palestras, ele pode ou não, vai depender dessa primeira avaliação do psicólogo que o atendeu individualmente, de ter um acompanhamento de até 20 sessões”, completou.

Suicídio
O Anuário da Segurança Pública indica, também, que a Bahia está entre os 10 estados do país que apresentaram aumentos expressivos nos registros de suicídio envolvendo policias militares e civis. A Bahia aparece em 7º lugar, com 66, 7%, ficando atrás do Distrito Federal (400%), Alagoas (200%), Ceará (100%), Paraíba (100%), Paraná (100%) e Sergipe (100%).
“As mortes de PMs, representaram, em 2024, 91,8% das mortes de policiais, frente a 8,2% de PCs. Essa disparidade na proporção reflete as diferentes naturezas do trabalho desempenhado por cada corporação: enquanto a Polícia Militar atua predominantemente no policiamento ostensivo, em situações de maior confronto e risco de vida, a Polícia Civil concentra suas atividades em funções investigativas, que envolvem menor exposição direta a situações de risco imediato”, diz a publicação.
Também em entrevista ao MASSA!, o coronel César Albuquerque destacou a atuação da coordenação de assistência que, conforme detalhado por ele, é formada por PMS com formação em enfermagem, fonoaudiologia, assistência social, psicologia e outras. Na prática, esses profissionais apoiam, inclusive, nas ocorrências logo quando elas acontecem.
"Então, por exemplo, se houve uma troca de tiros e um policial é baleado, essa equipe vai dar o suporte, não só para facilitar toda a logística que for necessário, mas também, apoiar os familiares, principalmente nos enlutamentos, quando acontece, infelizmente, de algum policial perder a vida no combate. Através dessa equipe multiprofissional, o Departamento de Promoção Social apoia com suporte psicológico para todos os familiares Fazemos acompanhamento, inclusive, não só naquele momento, naquele dia, mas estendemos até o momento que a gente julgue que é necessário", garantiu o coronel.
Desgaste mental
A reportagem do MASSA! também ouviu a psicóloga Luana Batista Oliveira e, durante a entrevista, ela pontuou que a ideia de que o policial precisa ser e estar sempre forte e sério, pode contribuir, sim, para o desgaste mental. "A cultura da invulnerabilidade, que exige que o policial esteja sempre forte, firme e inabalável, pode gerar um bloqueio no reconhecimento de suas fragilidades e na busca por ajuda. Isso alimenta o estigma de que pedir apoio psicológico é sinal de fraqueza, quando na verdade é um ato de cuidado e responsabilidade. A humanização dessa imagem é essencial: o policial é um ser humano antes de ser um agente da lei, e reconhecer isso é um passo importante para preservar sua saúde mental", alertou.

Para aqueles que ainda têm resistência em procurar ajuda médica (psicólogo, psiquiatra), a profissional deixou um recado. "Assim como o corpo precisa de preparo físico para enfrentar os desafios da profissão, a mente também precisa de acompanhamento para lidar com o peso emocional das vivências diárias. Procurar ajuda é um ato de coragem, de responsabilidade consigo mesmo, com os colegas de farda e com a sociedade que confia no trabalho policial", completou.
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