ENTREVISTA – RENATO BYINGTON
‘Os filmes renascem nessa tela e nos fazem sentir dentro deles’
Criador do evento de cinema ao ar livre Open Air Brasil diz que Salvador sempre foi um sonho e promete uma experiência audiovisual única à beira-mar

Por Divo Araújo

A maior tela de cinema a céu aberto do mundo — com dimensões equivalentes a uma quadra de tênis — vai transformar o Centro de Convenções de Salvador em palco de experiências inesquecíveis. “A qualidade da projeção e do som transforma o filme numa vivência audiovisual absolutamente incomparável”, afirma Renato Byington, idealizador do evento de cinema ao ar livre Open Air Brasil, que desembarca na capital baiana pela primeira vez entre os dias 30 de setembro e 12 de outubro.
O evento, que será realizado em parceria com o grupo A TARDE, promete sessões para toda a família, unindo cinema, shows e gastronomia. Nesta entrevista exclusiva, Renato Byington explica que a curadoria em Salvador foi pensada para refletir a história e a cultura da cidade.
“Não podemos chegar em Salvador e ignorar o que está acontecendo aqui”, ressalta ele, destacando a exibição de clássicos como Ó Paí, Ó e lançamentos como Malês, que contará com a presença do diretor Antônio Pitanga. O objetivo, segundo o executivo, é oferecer uma experiência didática, acessível e memorável para diferentes públicos. Saiba mais na entrevista a seguir.
Por que Salvador foi escolhida para sediar essa edição e o que a cidade representa dentro do conceito do Open Air?
Salvador foi um sonho para gente desde o início. É uma cidade que tem uma produção de cinema forte, uma história antiga e importantíssima. Tem grandes nomes antigos e atuais da produção cinematográfica, que fizeram e continuam fazendo a história do cinema brasileiro. De Glauber Rocha a Sérgio Machado, que está aqui superatuante e traz o filme de abertura, Salvador é uma praça obrigatória para o Open Air passar.
Você falou de Sérgio Machado e eu sei que o evento tem uma programação marcada por títulos ligados à memória e à cultura baiana, como Malês e os 18 anos de Ó Paí, Ó. Como foi pensada essa curadoria?
A gente procura conversar com o público. Essa é a primeira coisa que precisa ser feita. Então, chegar em Salvador e ignorar o que está acontecendo aqui não existe a menor hipótese. É óbvio que a gente precisa começar por aí. O difícil é escolher poucos títulos. Mas conseguimos construir um tripé em que temos três filmes que dialogam fortemente com a história e a cultura da Bahia. Temos um lançamento, ‘Malês’, com a presença do diretor Antônio Pitanga. Temos um filme que fala sobre a formação cultural, com três pessoas que contribuíram fortemente para o que entendemos hoje como cultura baiana e brasileira. Falo de os 3 Obás de Xangô. Documentário de Sérgio Machado, que fala de Carybé, Jorge Amado e Caymmi. E trazemos também a celebração de um filme que não é um clássico no sentido de ser muito antigo, mas já é um clássico na história recente da cinematografia da Bahia, que é Ó Paí, Ó. Um filme que dialoga intensamente com a identidade de Salvador e da Bahia, com um elenco totalmente identificado com a cidade, dirigido pela baiana Monique Gardenberg, e que foi um enorme sucesso. Vamos aproveitar a tela gigante e esse som espetacular para celebrar os 18 anos de Ó Paí, Ó.
Você define o Open Air como uma “celebração da arte de ir ao cinema”. O que diferencia essa experiência de um festival ou de uma mostra de cinema tradicional?
A primeira coisa é o equipamento. A tela é realmente uma peça única. Ela tem um tamanho colossal. Imagine uma tela de cinema da altura de um prédio de cinco andares, uma área de projeção do tamanho de uma quadra de tênis, e ainda por cima essa tela se levanta na frente do público assim que vai começar a sessão. É um show à parte o levantar da tela. E não é só uma questão de tamanho. A qualidade da projeção e do som desse cinema transforma a experiência numa vivência audiovisual absolutamente imperdível e incomparável. Os filmes renascem nessa tela, porque a gente literalmente se sente dentro deles, já que o nosso campo de visão está tomado pela imagem. E quando você se distrai um pouco e começa a olhar em volta, vê o mar de Salvador — a gente está ali na beira da praia. Vê um pássaro passando, pode ser que um avião cruze atrás da tela durante o filme, e isso tudo acontece em conjunto com as pessoas que estão ali. Todo mundo encontra amigos, formam grupos para assistir em conjunto. É, de fato, uma experiência audiovisual imperdível e que cria uma memória muito forte, colaborando com esse hábito de ir ao cinema.
Além dessa experiência audiovisual, o evento também traz shows, gastronomia e ativações culturais. Como é que esses elementos complementam essa experiência?
Por exemplo, no dia do Malês, a gente quer fazer uma celebração desse lançamento. Vamos trazer o show da Raquel Reis, que dá continuidade à história do filme. É uma cantora de Salvador, uma mulher negra que traz toda a ancestralidade de que o Malês fala. Há uma conexão. A gente não colocaria nunca, por exemplo, um show de rock de uma banda de garotos, ou um trio tocando música erudita. A experiência do show, de alguma forma, é a continuidade da experiência do filme. Outro exemplo, bem diferente, mas dentro do próprio Open Air: depois de Missão Impossível, que é aquele filme “pipoca”, clássico blockbuster, vamos ter uma banda de Salvador, a Herbert Richers, que toca trilhas de cinema. É uma noite mais leve, um programa de diversão, em que as pessoas podem tomar uma cerveja, uma taça de vinho branco, comer algo nos food trucks e assistir a um show. É uma proposta mais festiva. E, na noite de encerramento, para dar mais um exemplo, teremos A Pequena Sereia, o filme live action que apresenta uma pequena sereia negra. Apesar de já ter dois anos, foi um passo importante dado em Hollywood. E para acompanhar, trazemos o show da banda Didá, formada por mulheres, para fazer esse encerramento para cima, astral, divertido — como o cinema também é.
Você está falando sobre esse alinhamento de atrações, e são quase duas semanas de evento. Como é o processo criativo para alinhar filmes, shows e intervenções de forma tão integrada?
A gente faz isso há muitos anos, traz uma bagagem, mas também conta com a assessoria de algumas pessoas que são fundamentais. Temos a consultoria na programação de filmes do Gustavo Scofano, que cuida da programação junto com a gente. Ele é consultor, colabora com o Festival do Rio há muitos anos e é produtor de cinema. Além disso, em Salvador, conversamos com muitas pessoas. Em vez de ter só uma, ouvimos várias pessoas daqui que a gente conhece, explicamos nosso pensamento e fomos colhendo dicas diferentes. Mas há uma pessoa fundamental nisso, que é a minha parceira local, Fernanda Bezerra, da Maré Produções. A Maré Produções é uma empresa de Salvador que está em coprodução conosco nesta edição do Open Air. Agora, tem outra questão: como estamos pela primeira vez em Salvador, quisemos fazer uma programação didática, no sentido de mostrar o que é o evento e quais as possibilidades que o Open Air traz. Então, por exemplo, temos filmes para nichos bem diferentes. Se fosse uma mostra de cinema, causaria estranheza, porque a mostra costuma ter um corte mais definido. Aqui, procuramos mostrar para as pessoas as várias possibilidades do Open Air. Por isso, temos filmes infantis, blockbusters, ao mesmo tempo clássicos como Thelma & Louise e Pulp Fiction, lançamentos como Malês, e títulos ligados à história de Salvador, como Ó Paí, Ó e Os 3 Obás. Enfim, estamos mostrando uma série de possibilidades e também convidando diferentes nichos de público. A pessoa que vai assistir a uma comédia nova, como Sexta-feira Mais Louca Ainda, provavelmente não é a mesma que vai ver Malês. Assim como quem vem para Missão Impossível talvez não seja o mesmo público de Lilo & Stitch. Ao mesmo tempo, convidamos famílias com crianças para ver Lilo & Stitch, Meu Amigo Totoro, um filme belíssimo do Studio Ghibli, e também A Pequena Sereia. Ou seja, temos grupos de filmes para diferentes grupos de pessoas.
Em Brasília, o Open Air implementou ações inéditas de acessibilidade. O que será feito em Salvador para garantir inclusão e conforto a todos os públicos?
A gente entendeu que nunca vai ser acessível a todas as pessoas, porque a gama de necessidades é muito ampla. Mas procuramos ser o mais acessível possível. Temos algumas ações de acessibilidade, como, por exemplo, legendas em português para filmes nacionais. Para quem não é surdo, isso pode parecer estranho, mas vou te dar um dado que aprendemos a partir do momento em que contratamos em Brasília uma consultoria especializada em acessibilidade: quase nenhuma pessoa surda assistiu Ainda Estou Aqui. Quase nenhuma pessoa surda assistiu Ó Paí, Ó. Por quê? Porque os filmes nacionais não são exibidos com legendas em português. Essa medida, que adotamos desde Brasília, será aplicada sempre que possível. Às vezes o filme não tem esse recurso, mas sempre que for viável, vamos oferecer a legenda em português, também para filmes em português. Outra ação será a disponibilização de caminhos acessíveis dentro do evento. O Centro de Convenções Salvador já facilita muito a circulação na área chamada de Espaço Maré, que fica de frente para a praia, ela já tem pisos acessíveis para a maioria das pessoas. Além disso, onde identificarmos necessidade de rampas ou pisos especiais, vamos fornecer. Teremos também assentos reservados para pessoas obesas. Nos shows e apresentações presenciais, como na noite de abertura ou quando houver a presença de elenco e direção de filmes, haverá tradução em libras. E ainda teremos a Sala Calma, um espaço de acolhimento para pessoas neurodivergentes ou para quem precisar de um ambiente mais silencioso. Tudo isso naturalmente será oferecido de forma gratuita para quem já estiver no evento.
Além do Open Air, vocês também vão trazer o Cinema Inflável para a Bahia. Como será essa iniciativa e como ela dialoga com a proposta principal?
O diálogo entre o Cinema Inflável e o Open Air é bastante interessante, porque são duas propostas com objetivos diferentes. Ou melhor, são propostas para públicos diferentes. Mas não é tão diferente assim: a ideia é incentivar nas pessoas o hábito de assistir a um filme numa tela grande. Eu costumo dizer o seguinte: há uma questão muito ampla discutida há alguns anos, que é o streaming e as séries versus o filme em sala de cinema. Para mim, a maior diferença é que, numa sala de cinema, você não tem um controle remoto na mão. Não pode parar o filme. E isso faz toda a diferença, porque você é obrigado a prestar atenção durante, digamos, duas horas naquele filme que está sendo exibido. No streaming, seja no computador, na TV, no iPad ou no celular, você sempre pode pausar — e todo mundo pausa mil vezes qualquer filme ou série. O objetivo dos dois eventos é, durante duas horas, ter a atenção plena das pessoas e transmitir uma mensagem através do filme. Esse hábito de se entregar à experiência cinematográfica é o que pretendemos cultivar. Agora, são dois públicos completamente diferentes. No Open Air, o público vai até ao evento e paga ingresso. No Cinema Inflável, o cinema vai até as pessoas e é gratuito. Essa diferença é imensa, porque levamos o cinema a áreas onde não há salas, ou mesmo onde há, mas a comunidade não tem acesso. Seja por falta de dinheiro, às vezes até para pegar um ônibus, ou para o ingresso. Ou simplesmente porque as dificuldades do dia a dia são de tal ordem que nem passa pela cabeça dela imaginar a possibilidade de se ver numa sala de cinema. O Cinema Inflável já circulou por 12 localidades em Brasília e, a partir de outubro, passará por 12 localidades na Bahia. Passa também por Salvador, mas não será simultâneo ao Open Air. Ele ocorrerá depois. Provavelmente será na Praça da Revolução, em Periperi, e possivelmente no Parque da Cidade, a confirmar. Além disso, circula por diversos outros municípios: Cachoeira, Santo Amaro, Candeias, Lauro de Freitas, Mata de São João, Simões Filho, Madre de Deus, Itaparica, Vera Cruz e Camaçari.
Para concluir, fale um pouco sobre o projeto e como ele combina filmes e shows, relacionando com sua experiência na área cultural.
Eu sou uma pessoa que veio da área da música. Estudei música e cheguei a ser músico durante alguns anos, mas percebi que não era um músico tão bom assim e resolvi fazer algo que eu pudesse fazer direito. Então, comecei a trabalhar na produção musical e fui empresário de alguns artistas, como o quarteto Jobim Morelenbau, um grupo que manteve o legado da obra de Tom Jobim após sua morte. Fui empresário de outros artistas por períodos mais curtos e realizei muita produção de shows e festivais, com artistas variados. Já trabalhei desde João Gilberto até bandas como Motörhead, coisas bem diferentes, brasileiras e estrangeiras. Há muito tempo, ouvi falar de um equipamento suíço de cinema absolutamente fantástico. Fui atrás e descobri uma empresa em Zurique, na Suíça, que criou esse equipamento. Fiz um contrato com eles e passamos a representar o equipamento de cinema para toda a América Latina, além de Portugal e Espanha. Inclusive, já realizamos o Open Air dois anos em Lisboa e dois anos em Madrid. Quando conheci o equipamento em Zurique, fiquei encantado, porque é realmente impressionante. Imaginei que, além do cinema, deveríamos incluir a música aqui no Brasil. Não só porque é uma área próxima a mim, como também porque achei que a combinação de cinema e música seria muito interessante. Além disso, após assistir a um filme nessa tela gigante, você não quer simplesmente ir para casa. Quer viver aquela experiência mais um pouco. Não é só ir ao cinema depois do jantar, mas celebrar aquilo. Você ver, por exemplo, Pulp Fiction nessa tela é emocionante; as pessoas ficam animadíssimas. Então, é bacana ter um show depois, poder tomar uma cerveja e comemorar com os amigos. Daí surgiu a junção de música e cinema no Open Air. De lá para cá, o equipamento se renovou completamente. No começo, usávamos projetores analógicos e filmes em película 35mm; agora temos projeção 4K, som digital surround e qualidade topo de linha, com o que há de mais moderno no mundo. O equipamento volta todos os anos para a Suíça, onde passa por manutenção e atualização de alto-falantes, processadores de áudio, projetores, lâmpadas e lentes. Vale muito a pena acompanhar a qualidade de projeção e imagem do Open Air e depois celebrar com um show, tomando uma cerveja ali na beira do mar, no Centro de Convenções de Salvador.
Raio-X
Renato Byington é criador e diretor do evento de cinema ao ar livre Open Air, do festival Rider Weekends, do festival Claro Q é Rock, do Telefónica Sonidos Mundo Latino, do Choro da Gamboa e do festival BraJazz. Foi coordenador-geral e curador da participação brasileira na Expo 98, em Lisboa, representando o Itamaraty. Também coordenou grandes eventos fora do Brasil, em cidades como Lisboa, Madri, Paris e Buenos Aires. Na concepção e produção executiva de shows, trabalhou com artistas como João Gilberto, Gal Costa, Nana Caymmi, Gilberto Gil, Djavan e Ney Matogrosso.
Siga o A TARDE no Google Notícias e receba os principais destaques do dia.
Participe também do nosso canal no WhatsApp.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Siga nossas redes