CINEINSITE
Sucesso em Cannes, o filme que mistura guerra e amor chega ao Brasil
Josh O’Connor e Paul Mescal viveram uma paixão proibida em filme pouco conhecido

Por Rafael Carvalho*

Em A História do Som, filme que estreou no Festival de Cannes e chega ao Brasil através da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, Lionel (Paul Mescal) e David (Josh O’Connor) se conhecem por acaso em um bar enquanto um, ao piano, descobre que o outro sabe entoar algumas cantigas antigas do interior norte-americano. Nasce ali uma amizade através da música que logo se torna paixão, os olhares trocados não negam.
O cineasta Oliver Hermanus também não nega esse amor e logo faz seus protagonistas se entregarem ao desejo, mesmo estando no início do século passado, mais precisamente nos últimos anos da Primeira Grande Guerra. O conflito mundial irá separá-los, assim como a inconstância emocional de ambos – especialmente de David –, apesar de estarem ambos (aparentemente) bem resolvidos com sua sexualidade.
Mas eles voltam a se encontrar e os dois empreendem uma jornada definidora para ambos, profissional e emocionalmente: viajam país adentro registrando as cantigas populares cantadas pelos camponeses e interioranos com sua simplicidade. Uma espécie de arqueologia da música folk que se transforma também em um pretexto para que os dois se aproximem cada vez mais.
A História do Som trafega por um caminho inicialmente inconvencional - a relação homoafetiva não é uma surpresa para o espectador nem os personagens tratam isso com insegurança, ainda que não seja algo que eles possam abertamente expor na conservadora sociedade da época. Mas a terça parte final da trama vai desmentir essa impressão, e o longa acaba se enquadrando em um tipo de narrativa que ainda coloca os personagens LGBT+ em situação de autonegação e conflitos morais com sua própria condição sexual.
O tom escolhido pelo realizador é sempre baixo. O filme possui uma narrativa plácida, cadenciada como as cantigas que os dois gravam, sem grandes arroubos dramáticos – o que não significa que sejam menos intensos por isso. E o diretor consegue manter esse ritmo do início ao fim. Não se trata de uma história efusiva de paixão arrebatadora, antes um conto melancólico e mesmo trágico sobre as barreiras do amor.
O filme tem previsão de estreia nos cinemas comerciais para fevereiro de 2026.
Leia Também:
Provação no deserto
Filme de abertura da Mostra Internacional de São Paulo, Sirât é sem dúvida o mais provocador e divisivo a ser exibido durante o evento. O diretor franco-espanhol Oliver Laxe lança seus personagens no coração do deserto marroquino, em meio a raves ensandecidas, para criar uma grande alegoria sobre a vida e as dores que colecionamos enquanto tentamos passar pela existência.
Para tal, elege um pai (Sergi López) com seu filho pequeno (Bruno Núñez) que buscam o paradeiro da filha/irmã mais velha, possivelmente embrenhada por entre festas e curtições no deserto. Nada sabemos dos motivos de sua fuga (se é que, de fato, fugiu) ou maiores detalhes dos imbróglios de família que os separam.
Mas o que importante aqui é o trajeto e bem menos as razões ou os desdobramentos do conflito familiar que se desenha ali. Sirât é uma verdadeira experiência sensorial e sonora, intensa na maneira como o som pulsa na paisagem inóspita e grandiloquente do deserto, na forma como as pessoas se entregam à música e a uma catarse quase espiritual, de transcendência através do som e do movimento do corpo.
A senha está dada já na epígrafe inicial: “sirât” refere-se, segundo a crença islâmica, à ponte que liga paraíso e inferno, a linha tênue como a lâmina de uma espada que representa o caminho da vida – e da morte também, elas que são faces da mesma moeda.
O filme demora a chegar a seu verdadeiro ponto de provação, mas será implacável quando acontecer. Por conta disso, tem sido apontado como sádico por muitos. Isso porque, se a trama prenuncia tragédias desde o seu início, ela guarda para mais da metade o evento trágico que marca uma virada inesperada no trajeto dos personagens, a grande derrocada em direção ao horror.
Quando Sirât revela suas verdadeiras intenções, faz os personagens viverem situações limites e impactos emocionais súbitos. No entanto, diferente do sadismo de que é acusado, Sirât oferece alguma empatia: o filme e seu diretor/roteirista não parecem se divertir com o sofrimento dos personagens, não há prazer em vê-los padecer. Tudo parece muito brutal, mas é só a vida acontecendo. E, afinal de contas, a vida não é feita disso, som e fúria, dança e morte?
O filme tem previsão de estreia nos cinemas comerciais para janeiro de 2026.
*O jornalista viajou a São Paulo com apoio do evento.
Siga o A TARDE no Google Notícias e receba os principais destaques do dia.
Participe também do nosso canal no WhatsApp.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Siga nossas redes



