BAHIA
Expande Capão: regulação da Cannabis marca o segundo dia
Evento aprofunda discussões sobre mídia, estigma, regulação e a psicodelia brasileira

Por Isabela Cardoso

O segundo dia de programação do Expande Capão movimentou o Vale do Capão nesta sexta-feira, 21, reunindo pesquisadores, comunicadores, médicos, lideranças tradicionais e ativistas em três mesas que aprofundaram debates sobre psicodelia, políticas públicas e epistemologias brasileiras.
Em meio ao cenário natural da Chapada Diamantina, os encontros reforçaram o propósito do fórum: aproximar saberes, qualificar diálogos e fortalecer a circulação de conhecimentos de forma ética e responsável.
O público acompanhou discussões que foram do papel da mídia nas pautas psicodélicas à necessidade de uma regulação mais justa da cannabis no Brasil, além de reflexões sobre a contribuição dos povos originários e da ciência contemporânea para o entendimento da consciência.
Comunicação psicodélica e o desafio de furar a bolha
Abrindo a programação do dia, a mesa “Comunicação psicodélica: como furar a bolha” reuniu profissionais que vêm atuando na tradução de temas complexos para o grande público. O debate buscou responder como estratégias narrativas e midiáticas podem romper cercas simbólicas e ampliar a compreensão social sobre psicodelia.
Participaram da mesa:
- Tábata Gerk
- Iago Lôbo
- Caroline Apple
Mediação: Diogo Busse
A jornalista e colunista de Psicodelia Brasileira, Caroline Apple, enfatiza a responsabilidade de quem fala sobre psicodelia, especialmente nas redes sociais.
“É fazer essa convocação mesmo para as pessoas, para que elas entendam que também são comunicadoras. Estar muito alinhado com as pautas faz com que a gente ajude a construir novas narrativas que destruam tabus. Buscar novas formas de estar junto aos povos originários é realmente um privilégio. Vamos ouvi-los e vamos juntos nessa comunicação chamada de psicodélica que, na verdade, a gente vai diferenciar entre uma comunicação psicodélica através dos sintéticos e uma comunicação de bioculturas através das culturas que nascem das plantas mestras”, pontuou.

A psicoterapeuta e cofundadora da rede latina Hijas del Sur, Tábata Gerk, reforça que a comunicação depende de responsabilidade e alinhamento ético.
“A importância de unir nossas vozes e falar nessa mesa hoje foi conscientizar o público que consome e busca conhecimento na internet... Entender como comunicar, para quem comunicar, por que comunicar e, principalmente, manter essa comunicação respeitosa com os povos originários, porque estamos falando de bioculturas e não de psicodélicos", disse.
O psicólogo e redutor de danos Iago Lôbo, fundador do Micélio de Notícias, aborda as tensões presentes no campo psicodélico e a comunicação como espaço de debate.
“O Micélio se propõe a popularizar o conhecimento da ciência psicodélica, mas também construir um espaço público onde o tema possa ser debatido. O campo psicodélico não é homogêneo. A comunicação, enquanto ponte, também é tensionada. O desafio é fazer diferentes grupos conviverem, buscando respeito e harmonia, mesmo sem consenso”, comentou.
Cannabis, linguagem e os entraves de uma regulação
Logo depois, o debate “Cannabis ou maconha? O estigma como obstáculo para uma regulação eficiente” ampliou a discussão para o campo das políticas públicas, enfatizando que as palavras moldam percepções e influenciam decisões institucionais.
Participaram da mesa:
- Dra. Mariane Ventura
- Leandro Stelitano
- Glauber Loures
Mediação: Diogo Busse
A médica Mariane Ventura, especialista em Cannabis Medicinal, contextualiza a discussão dentro de um recorte histórico e político mais amplo, ressaltando a necessidade de evitar divisões artificiais no debate.
“É a história que a gente tem que resgatar. Tem que ter em mente até para pensar nos caminhos futuros em relação a esses avanços que a gente vê cada dia mais na legislação, de certa forma, buscando inclusive uma união das pautas, não ter essa fragmentação do medicinal e do dito uso, o usador, o requerimento. Criativo os vários nomes que recebem. Então é um tema super atual porque dialoga sobre saúde sobre política social e segurança pública, então fala diretamente o nosso território Bahia e Brasil”, reforçou.
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O fundador e presidente da Associação para Pesquisa e Desenvolvimento da Cannabis Medicinal (CANNAB), Leandro Stelitano, destaca a importância de eventos como o Expande Capão para avançar no combate à desinformação.
“Vejo que o Expande Capão é um evento de excelência. É muito importante vir a um território e desmistificar o preconceito com informação de qualidade. Hoje só tem acesso à cannabis quem tem poder aquisitivo, porque os óleos são caríssimos. A Anvisa vai regulamentar o cultivo no dia 31 de março e isso pode marcar uma nova fase da cannabis terapêutica no Brasil”, comentou.
Psicodelia brasileira: quando ciência e ancestralidade conversam
Fechando o dia, a mesa “Psicodelia brasileira: tradição, ciência e oportunidade” trouxe uma conversa marcada pela pluralidade de saberes. Neurocientistas, lideranças indígenas e pesquisadores debateram o papel do Brasil como território onde diferentes epistemologias se encontram, das práticas tradicionais de povos originários ao avanço das pesquisas acadêmicas.

Participaram da mesa:
- Daiara Tukano (artista, mestre em direitos humanos e cofundadora da Conferência Indígena da Ayahuasca)
- Dráulio Barros de Araujo (neurocientista pioneiro no Brasil em estudos com Ayahuasca e DMT)
- Adana Kambeba (primeira médica do seu povo no Brasil, que une a Medicina Tradicional Indígena e a científica)
- Fernanda Palhano (neurocientista e pesquisadora do Instituto do Cérebro)
Mediação: Glauber Loures (doutor em Sociologia e fundador da igreja do Santo Daime Céu da Divina Estrela)
"Apenas um movimento de transformação, gerando a nossa matéria, nossa imatéria, essa energia que nos constitui, que nos atravessa, se transforma e se desdobra em nós, seria essa energia divina. Mas, ao mesmo tempo, o nosso pensamento também é capaz de criar, nos afetar e nos recriar, assim como afetar aos outros", alerta Daiara Tukano, que abriu sua participação com um canto indígena para o povo das águas.
Vale do Capão como território de consciência
A programação continua até este sábado, 22. Com curadoria de Marco Algorta e Diogo Busse, o Expande Capão inaugura sua primeira edição como um espaço vivo de diálogo entre neurociência, cultura, política, espiritualidade e práticas de cura.
Entre o céu estrelado, a força da Chapada e a presença de especialistas renomados, o primeiro dia reforçou o compromisso do evento em promover debates qualificados, gratuitos e abertos para toda a comunidade, fortalecendo o Vale como polo de conhecimento, educação, turismo sustentável e integração cultural.
A programação do Expande Capão acontece de forma paralela ao Festival Internacional Capão in Blues 2025, que movimenta o feriado da Consciência Negra no vale. Os debates e mesas acontecem no turno da tarde, enquanto os shows do festival ocupam a noite, criando uma experiência inédita que combina conhecimento, arte e celebração.
Sobre o Expande Capão
O Expande Capão é uma realização da Viramundo Produções, com patrocínio da aLeda. O encontro reúne 18 especialistas em oito mesas temáticas, promovendo reflexões sobre saúde mental, enteógenos, espiritualidade, ética, neurociência e ancestralidade, com foco na construção de caminhos seguros, inclusivos e integrados.
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